“O silêncio protege a violência.” As palavras iniciais deram a pista de como seria o evento que reuniu cerca de 200 pessoas em prol da conscientização e enfrentamento às diversas formas de abuso contra a pessoa idosa.
Realizado no último dia 28 pela Associação Reciclázaro, por meio do Progapi, e pelo Grupo de Articulação para Moradia do Idoso (GARMIC), o seminário trouxe à Câmara Municipal de São Paulo os pontos de vista de profissionais da saúde, estudiosos, autoridades, usuários da rede socioassistencial e representantes da sociedade civil, contando com apoio do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (OLHE) e do Fórum do Cidadão Idoso da Cidade de São Paulo - Colegiado Leste.
Embora estudo apoiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2017, aponte que um em cada seis idosos sofra algum tipo de abuso no mundo, os registros oficiais de violência ainda não condizem com a realidade. Naquele mesmo ano, no município de São Paulo, por exemplo, foram realizadas 1.255 notificações, frente a uma população à época formada por 1.676.101 pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.
São diversos os motivos para a subnotificação: os relatos de abuso dependem da busca por atendimento na rede de saúde. Em geral tratam-se de idosos vulneráveis, com perda de autonomia e muitas vezes envergonhados em se identificarem como vítimas de violência. Na outra ponta, necessitam também da sensibilidade e conhecimento do profissional que realiza o atendimento.
Outro fator que leva à subnotificação é a falta de consciência sobre as diversas formas de abuso. Nas palavras da coordenadora do GARMIC, Olga Quiroga, “a violência está presente em todo lugar, mas nem todo mundo sabe o que é.” Abuso físico, psicológico, financeiro, sexual, abandono, negligência e autonegligência são os diversos tipos, conforme explicou Marília Berzins, especialista em gerontologia e presidente do OLHE.
A violência pode provocar lesões físicas, emocionais e até mesmo a morte. “De cada três idosos, dois pensam em tirar a própria vida”, citou Alessandra Wainstein, psicóloga pós-graduada em abordagem junguiana, que apresentou a relação entre violência e suicídio e chamou a atenção para a forma como os idosos estão sendo tratados e as condições em que vivem.
“Vamos fortalecer os serviços para notificação, que identifiquem a violência familiar, institucional e principalmente a invisível”, pediu a representante do Fórum do Cidadão Idoso de São Mateus, Vera Lúcia Mariano. Fator relevante para o enfrentamento, as notificações oferecem embasamento ao conjunto de programas e ações que visam assegurar o direito dos idosos, viabilizando políticas públicas voltadas para o envelhecimento.
A importância da criação destas últimas foi unanimidade entre os presentes no evento, que teve a mediação de Maria Alice Machado, especialista e mestre em gerontologia. É fundamental a construção de uma rede que proteja e responda às necessidades dos idosos. Especialmente para uma população como a brasileira, que está envelhecendo de forma acelerada e não recebe apoio adequado do Estado, ficando sob responsabilidade das famílias – em sua maioria, das mulheres – o cuidado integral com os idosos, explicou Renato Souza Cintra, sociólogo e mestre em demografia com ênfase na influência do Benefício de Prestação Continuada na expectativa de vida saudável dos idosos brasileiros.
No entanto, com cada vez menos filhos e uma expectativa de vida maior, quem cuidará das próximas gerações de idosos? Quais as consequências das reformas trabalhista e previdenciária? O que o Estado deve prover? Com o convite à reflexão, o seminário chegou ao fim, já sob o desejo de uma nova edição no próximo ano.
Progapi
A conscientização e enfrentamento aos diversos e recorrentes tipos de agressões fazem parte da agenda da Reciclázaro, por meio do Progapi. Criado em 2009, o Programa de Atenção à Pessoa Idosa apoia e fomenta iniciativas para aprimorar a qualidade de vida e a autonomia da pessoa idosa, atuando de forma independente e em parceria com as instituições públicas e privadas, além de Organizações da Sociedade Civil. Entre suas ações estão a criação do Diário de Cuidados da Pessoa Idosa, bem como a realização de cursos de capacitação de cuidadores, que já qualificaram mais de 700 pessoas em São Paulo e Santa Catarina.
Fotos: Camila Lima